Por Filipe - Entre a Margem e o Palco: Uma crítica à legitimação da arte contemporânea e aos limites do reconhecimento institucional
- Filipe Fonseca
- 18 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 19 de ago.

A arte contemporânea é marcada pela ampliação de possibilidades: multiplicação de linguagens, mistura entre campos, novas formas de relação com o público e o deslocamento da centralidade do objeto para o processo. Nesse campo expandido, o que define uma obra não é apenas sua forma ou técnica, mas também sua intenção, seu contexto e, muitas vezes, sua justificativa. A justificativa se torna parte da obra, e em muitos casos, aquilo que lhe confere sentido e legitimidade.
A provocação de que a arte contemporânea é em grande medida justificativa, ajuda a entender não só como ela se apresenta, mas também como é percebida, consumida e promovida. Nicolas Bourriaud, ao discutir a ideia de pós-produção, aponta que o artista contemporâneo atua como alguém que reorganiza o que já existe, reeditando códigos culturais. A criação passa a ser entendida como um gesto relacional: a obra vale pela rede de significados e afetos que mobiliza.
Nesse contexto, a ideia e a proposta ganham centralidade, por vezes, mais do que a materialidade da obra. Manuel Castells, em sua obra A sociedade em rede, também contribui para esse debate ao mostrar como a cultura contemporânea está cada vez mais conectada à lógica das redes e à circulação de informações e símbolos. A arte, nesse cenário, opera não apenas como forma, mas como conexão, fluxo, e sua relevância passa a depender também de como se insere nessas redes simbólicas e sociais.
Mas esse gesto, que abre espaço para expressões diversas e práticas periféricas, também encontra seus limites. Néstor García Canclini, ao tratar das culturas híbridas, chama atenção para o fato de que os circuitos de legitimação cultural não são neutros. Ainda que a arte contemporânea acolha discursos plurais, nem todas as vozes circulam com a mesma liberdade. Há escolhas sobre o que se promove, o que se celebra e o que se silencia.
Essa tensão também aparece na forma como o público se relaciona com a arte. Há uma diferença entre aceitar ou legitimar, em expor artistas e suas obras em um museu ou festival ou validar a mesma prática em seu território de origem, com suas contradições e potências. O que se consome como proposta estética pode não ser aceito como prática cotidiana. Isso vale especialmente para expressões que nascem em territórios marginalizados: elas são, por vezes, acolhidas quando traduzidas em formatos mais “seguros”, mas enfrentam resistência quando tentam existir em sua forma original.
A arte contemporânea carrega, sim, uma potência crítica e relacional. Mas essa potência se realiza de forma desigual, conforme o lugar, o corpo e o público envolvidos. A justificativa pode abrir portas, mas não garante que a prática será legitimada e sustentada no cotidiano.
O risco, cada vez mais presente, é o da transformação da arte em vitrine: visível, celebrada, comentada, mas desconectada das realidades que lhe dão origem. O palco, nesse cenário, pode acabar operando como nova margem: um lugar onde o gesto artístico é permitido desde que domesticado, traduzido, ajustado. O desafio está em garantir que a arte não perca sua capacidade de presença. Que a cultura não seja só aquilo que pode ser dito, mas também aquilo que insiste em existir.
Por Filipe Sartório - @bocao_sartorio


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